segunda-feira, 10 de junho de 2013

Parque Estadual de Vassununga – 31 de maio de 2013


Um grito de desespero, em tese, não é uma forma de demonstrar revolta. Apesar do som áspero de cordas vocais se retesando, coordenando-se entre si para irromper em um brado que desperta a temeridade e a perplexidade dos circunstantes, nada pode ser mais infrutífero que uma vocalização não procedida imediatamente por uma ação. Os grandes ditadores e líderes mundiais verbalizaram seus conceitos e mobilizaram um grande número de pessoas para pô-los em prática, mesmo sendo os objetivos muitas vezes escusos (não discuto aqui o fim, mas os meios dessa maneira peculiar de atuar no mundo e modificá-lo para sair de uma zona acrítica de conforto). Ideias, no papel, na boca e na mente, são meros contornos, espectros, e o que as dão substância e materialidade é o movimento, esse tão negligenciado pela sociedade cada vez mais confinada, por livre e espontâneo arbítrio, em seus pequenos círculos rotineiros onde tudo parece estar sob controle. Saindo do plano social, e focalizando mais o homem só, individual, eu diria que falta ainda uma motivação para a grande maioria em viver o que realmente a faz sentir viva, e não apenas uma reprodutora do sistema vigente. O problema, a meu ver, não está em idealizar sonhos e devaneios – matéria muito fácil por sinal – mas sim em concretizar o que a mente instaurou como verdade pessoal, absoluta. A capacidade de ação tem se perdido em algum momento entre o pensamento e o impulso nervoso que desencadeia o primeiro passo em direção à liberdade. Em suma, perdemos nossa capacidade de transgressão.
Vagando solitário pelo interior paulista
Pequenas revoluções internas moldam o caráter de grandes homens. Não sou um homem exemplar, mas essa curta viagem que esmiuçarei a seguir teve seu efeito revolucionário marcado a ferro e fogo em minha constante formação. Obrigações trabalhistas e sociais me obrigariam a sacrificar os quatro quartos de um feriado prolongado, mas foi nesse instante que esse ímpeto de não assentar raízes e não se curvar ao conformismo bramiu alto, viperino, e abandonei meus compromissos sem pestanejar para usufruir de pelo menos um quarto desse tempo. Sozinho, então, parti para um local pelo qual passei muitas vezes sem necessariamente ter prestado a devida atenção. Trata-se do Parque Estadual de Vassununga, importante área de preservação de mata atlântica interiorana e de grandes jequitibás-rosa, de fácil acesso por ser entrecortado pela rodovia Anhanguera no território do município de Santa Rita do Passa Quatro, terra natal de Zequinha de Abreu e que já visitei, juntamente com outros companheiros, em uma outra oportunidade (link). Seriam apenas minha moto e eu, vagando pelo interior paulista em busca de imagens marcantes e elementos conhecidos e desconhecidos de nossa fauna e flora, possibilitando, sobretudo, diálogos internos sobre os rumos a tomar em minha vida daquele momento em diante. Desculpem-me se a postagem soar demasiada filosófica ou introspectiva, mas a intenção desta não é ser extensa, essencialmente descritiva ou exclusivamente promotora dos ambientes fotografados, como as anteriores, e sim concisa e com incentivos à emancipação do sujeito que porventura decida se dirigir a eles – ou a outros – em um dia em que a necessidade gritante de sumir o instigar a abandonar seus rotineiros afazeres e sair sem rumo por algumas horas.
Cidadão ararense
Parti de Americana às 9:30h, seguindo sentindo norte pela Anhanguera, principal via de ligação do interior paulista com a megalópole São Paulo. Estava, contudo, com as costas voltadas para a capital, distanciando-me cada vez mais dela, passando pelo perímetro urbano de Limeira e pelos imensos canaviais que ladeiam a praticamente retilínea rodovia. Quarenta quilômetros depois eu me inseria em Araras, onde a ausência de pressa me fez apear nas imediações da Basílica de Nossa Senhora do Patrocínio, imponente e profícuo templo católico da cidade de 120 mil habitantes, mestra na arte de mesclar a impaciência de um grande centro urbano com a simplicidade do povo do interior paulista, principalmente dos mais vetustos, que ainda trajam chapéus, em ambientes abertos, e os sacam antes de adentrar um recinto coberto, seja a própria igreja ou um comércio. A basílica, em si, dá indícios de ser cuidadosamente zelada, notável pelo rodapé recoberto por um tom dourado e passando, um metro e vinte após suas bases, para um amarelo mais tímido e para um branco nos detalhes de portas, vitrais e frontispício. Uma abóbada escarlate, quase vinho, completam a magistralidade de sua arquitetura, uma construção plácida e imóvel em meio ao Largo ao qual os transeuntes parecem não se atentar, vagando a passos apressados de um lado para o outro com um olhar distante, mais preocupados em cumprir seus horários do que propriamente em admirar o belo, como o ipê florido, desfolhando-se, mas ainda exuberante, que sombreava um dos acessos laterais.

Basílica de Nossa Senhora do Patrocínio

Vista posterior

Portaria do PE de Vassununga
Deixei o frenesi citadino de Araras com o intuito de vencer o mais brevemente possível os 70km que a apartam do Parque Estadual do Vassununga, em Santa Rita do Passa Quatro. Tive a minha cota urbana. Carecia, agora, do mato. Enviesei-me novamente pela rodovia Anhanguera e passei desatentamente pelos perímetros urbanos de Leme, com seu Cristo altivo vigiando-a de braços abertos, da militarizada Pirassununga, com seu Tucano (avião da FAB) exposto ao leste e imensos tonéis onde repousam o conhaque e a cachaça ao oeste, e da capital da cerâmica Porto Ferreira. A última esticada incluiu passagens sobre os rios Mogi-Guaçu e Claro, imprescindíveis para a região e para a bacia do rio Paraná, visto que suas águas se juntam ao do Pardo. Cento e vinte quilômetros depois de sair de casa, abandonava a Anhanguera por um tímido retorno para apear, logo às laterais da mesma, no portal amadeirado retangular, com um travessão de arestas sobressalentes, do Parque Estadual de Vassununga, criado em 1970 para preservar as últimas florestas de jequitibás-rosa ainda encontradas no Estado de São Paulo, bem como toda a flora e a fauna que subsistem na umidade da Floresta Estacional Semidecidual, ou Mata Atlântica de Interior. Estacionando sobre as árvores de médio porte que permeiam a Capetinga Leste (uma das 6 áreas que constituem o parque), caminhei para o Centro de Visitantes, onde animais empalhados encontrados no interior de Vassununga estão expostos, como o lobo-guará, o veado-catingueiro e o jacu, além de estudos científicos diversos acerca do que a área alberga. Foi lá também que me informaram que a Trilha dos Jequitibás, meu escopo, se encontra, na verdade, na Capetinga Oeste, do outro lado da Anhanguera. Incontinenti atravessei um túnel sobre a mesma, venci mais 500m de terra em meio a um canavial e adentrei uma outra portaria. Dali para frente só se explora sobre pés.

Centro de Visitantes na gleba Capetinga Leste

Floresta estacional semidecidual na gleba Capetinga Oeste

Registro desfocado do raro Curió
A Trilha dos Jequitibás é uma cicatriz de 1,5km aberta em meio à gleba Capetinga Oeste, como já frisado, e dá acesso ao principal atrativo do Parque Estadual de Vassununga: um grande jequitibá-rosa conhecido como “Patriarca”. Logo nos primeiros metros após a portaria sente-se a temperatura amainar e a umidade se elevar, resultado da pouca luz solar que lanceta a copa das grandes árvores. Bom para o ecossistema e ruim para quem fotografa sem equipamento adequado (meu caso), já que a claridade diminuída impede o registro devido da avifauna local, cujos mais ilustres integrantes são o curió, cada vez mais raro na vida selvagem, e o sabiá, muito engaiolado devido ao seu canto melodioso. Os insignes da flora são o cararão, o araribá, o guapuruvu, o alecrim de campinas, a urtiga, o marinheiro, o jaracutiá, o pau pereira, o jacarandá paulista e a embaúba escura. Digo todos esses nomes não porque sou um profundo conhecedor da vegetação atlântica, mas porque todos estão devidamente identificados por placas de madeira, ajudando bastante na observação e no aprendizado de leigos. Às vezes é preciso desviar de teias abrangentes, onde aranhas diligentes emboscam sua presas usando a mata circundante como apoio para suas armadilhas, imperceptíveis para certos insetos. Borboletas negras, manchadas com um rosa florescente, volitam num traçado errante, pousando aqui ou acolá em flores de onde extraem o néctar, seu doce alimento. Em menos de 1km se alcança a verdadeira razão de o parque existir: o “Patriarca da Floresta”. É um jequitibá-rosa frondoso com mais de 3000 anos de idade, 49 metros de altura (equivalente a um prédio de 13 andares) e 6 metros de diâmetro. São necessárias 12 pessoas de estatura mediana, de mãos dadas, para abraçá-lo. Ainda flori, embora não seja esta a época. Diz-se que, antes de 1970, quando a área era ainda uma propriedade privada, os canavieiros não encontraram ferramentas adequadas para derrubá-lo. Por sorte o governo de São Paulo adquiriu esse pedaço de terra, protegendo o imponente espécime e uma parte da vegetação que o circunda na gleba Capetinga Oeste, que ainda tenta recuperar alguns pontos degradados.

Teia de aranha em meio à mata atlântica de interior

Jequitibá-rosa conhecido como "Patriarca"

Mais de 3000 anos de idade, 49m de altura e 6m de diâmetro

A fauna sobrevive
“É preciso tempo e paciência para algo se tornar imponente e belo”. Essa frase foi dita por um de meus tios, Francisco Silva, após o regresso, mas acredito ser coerente citá-la nesse momento. O grande jequitibá não está só, e esse é um sinal de que todo um ecossistema faz o uso constante e imparcimonioso (desculpem-me pelo neologismo) da espera, da resignação. Há outros exemplares de jequitibás, às margens do córrego da Gruta, um pouco mais à frente, no fim da trilha, evidenciando ser essa uma região de solo abonado, e que apesar de ter sofrido severas investidas, no passado, hoje pode respirar e tocar sua vida. A cerca limítrofe separa Vassununga de um mundo de cana-de-açúcar, a mesma que alimenta as usinas e possibilitam a manutenção do nosso estilo de vida frenético. Não conheci os outros quatro fragmentos do parque, constituídos pelas glebas Pé de Gigante, Praxedes, Maravilha e Capão da Várzea, pois são fechados à visitação, mas pela dinâmica da região e pela vista aérea por satélite penso que todos sofram com o mesmo problema: a vizinhança de uma monocultura que empobrece o solo e assoreia rios e córregos. A fauna também sofre, já que seus habitats naturais são reduzidos, destruídos, limitando seu raio de ação para os 2071 hectares da área total do Parque Estadual (somadas as 6 glebas). A cotia de expressão ingênua que roía despretensiosamente uma semente, na trilha de volta, foi o único mamífero que registrei, muito embora existam provas de outros maiores, como a onça parda e o veado-mateiro. A propósito, o roedor foi a protagonista de um fato curioso. Quando eu me dirigia à portaria do parque, já com intenção de deixá-lo, eis que surgem dois jovens, caminhando em sentido contrário, rumo ao “Patriarca”. Aventei aos mesmos que uma cotia rondava a área e que, se andassem sorrateiros, provavelmente a avistariam. Para minha surpresa, um fitou o outro, indagando com certo temor: será que devemos continuar ou voltar? Continuei no meu caminho, sorrindo, enquanto querelavam. Já vi gente com medo de pequenos roedores, como ratos e ratazanas, mas nunca de grandes, como a cotia. Ou será que desconheciam o que era realmente, acreditando ser uma espécie de cobra ou outro animal perigoso? A falta de conhecimento causa tanto pavor quanto o conhecimento em excesso.



Cotia

Pelo Caminho da Fé
Terminada a minha visita ao Parque Estadual do Vassununga, e com ainda boa parte da tarde disponível, optei por voltar a Americana não pela corriqueira Anhanguera, mas por estradas de chão, cortando fazendas e plantações. Obviamente precisei voltar um trecho pela Anhanguera, sentido capital, apenas o suficiente para acessar a primeira pequena rodovia que aponta para o leste, a Zequinha de Abreu, cujo destino é o centro urbano de Santa Rita do Passa Quatro. Permaneci na mesma por um tempo, abandonando-a tão logo localizei a primeira estrada de terra que pendia para o sul. Estava, portanto, na zona rural da mesma Santa Rita do Passa Quatro, vencendo plantações de cana-de-açúcar, extensas plagas ociosas, aguardando o plantio, e laranjais. Aliás, foi em um desses laranjais que fiz uma pausa, pois além de me prover alimento, interessei-me por uma capelinha, solitária, muito bem adornada e pintada com recentes demãos da cor amarela. A essa altura eu desconhecia o fato de que estava pilotando no Caminho da Fé, palmilhado por peregrinos que partem de São Carlos em direção a Águas da Prata, na divisa com Minas Gerais, para posteriormente subirem ao Pico do Gavião, em Andradas, e seguirem a peleja rumo a Aparecida do Norte, completando um percurso de mais de 400km, essencialmente rural, que pode ser concluído a pé ou de bicicleta. Além das imagens que levarei deste local, idealizaram-se planos para uma futura incursão por esse caminho. Em síntese, por ser uma rota religiosa, muitas dessas capelas despontariam pelo caminho, mas por sorte registrei essa primeira. Todas as outras encontravam-se depredadas. Para finalizar minha estadia em Santa Rita do Passa Quatro, apeei, adiante, na divisa de municípios com Porto Ferreira, demarcada naturalmente pelo curso do rio Claro, afluente do Mogi-Guaçu.

Capela na zona rural de Santa Rita do Passa Quatro

Rio Claro

Várzea do rio Claro

Irerês
O rio Claro corria ligeiro, cheio, praticamente desprovido de mata ciliar. O mais interessante, contudo, não foi avistar o próprio rio, nutrindo minha inata paixão pelos opulentos cursos d'água doce do nosso Brasil, mas sim sua várzea, após a simples ponte de concreto, já no território de Porto Ferreira. É, por assim dizer, uma imensa poça intermitente, um reservatório preenchido pelas chuvas que caíram durante as últimas duas semanas e também pela água que transbordou do leito original do rio. Lembrou-me os corixos do Pantanal, os quais visitei em duas oportunidades (links). Não abriga tanta vida selvagem por ser um local reduzido e não acostumado ao vai-e-vem das águas, mas registrei um bando do pato selvagem irerê, além de visualizar os sempre presentes quero-quero e carcará. Prosseguindo, passei pelos portais de algumas fazendas e, após 15km de terra, apeava às margens do rio Mogi Guaçu, no centro urbano de Porto Ferreira, uma cidade com 55 000 habitantes conhecida como a Capital da Cerâmica, devido à alta concentração de empresas ceramistas em seus domínios. O grande rio, que nasce na Serra da Mantiqueira, em Bom Repouso (Minas Gerais), e percorre 473km até desaguar no rio Pardo, na divisa de Pontal, Pitangueiras e Morro Agudo, pode ser atravessado aqui por uma ponte férrea, branca, que para as garças-brancas-grandes serve como um observatório panorâmico. Para os sempre oportunistas pescadores os parapeitos de uma grade de madeira, sobre um reservatório retangular preenchido pelas águas do próprio rio, vem bem a calhar. Sob a estátua alva de São Francisco um homem pescava, e sob o sol escaldante de uma sexta-feira de outono eu continuava minha curta incursão, agora rumo a Pirassununga, também por estradas de terra. Demorei-me, para um último registro da área urbana de Porto Ferreira, em uma igrejinha amarelecida, construída em 1960, com as torres de uma aparentemente desativada cerâmica se elevando ao fundo.

Ponte sobre o rio Mogi-Guaçu, em Porto Ferreira

Garça-branca-grande

Igrejinha de 1960 e cerâmica, em Porto Ferreira

Carcará
De Porto Ferreira a Pirassununga, por terra, são 11km, e em nenhum desses algo me chamou a atenção. Talvez a aparição do carcará tenha sido responsável por me dar a motivação para prosseguir. É um trecho curto, mas chato. Muitos lamaçais e crateras me acompanharam por uma paisagem cenicamente não tão bela quanto a de Santa Rita do Passa Quatro. Aqui o chão é da cana-de-açúcar e da laranja, e só delas. Com alguma demora cheguei ao centro urbano de Pirassununga, parando por um breve momento defronte a igreja matriz de Nossa Senhora dos Aflitos. É uma cidade de forte apelo militar, com 70 mil habitantes e de trânsito caótico como toda grande cidade paulista. Por isso tratei de logo debandar, atravessando-a de norte a sul, e acessar uma outra estrada de terra que me desembocaria em Leme. Essa sim suscitou em mim algum sentimento. O bucolismo das grandes fazendas, somados à paz proporcionada pelo estar sozinho e não cruzar com nenhum outro veículo, é algo incomensurável. Para um aventureiro solitário é o clímax. Naquela imensidão de soja amarelo-esverdeada e de alfafa florida, branco-arroxeada, eu estanquei, às entradas do Sítio São Roque, aspirando um oxigênio que já começava a gelar minhas narinas, indicando-me que o dia logo partiria para o oriente. Ouvia atentamente ao canto mavioso dos pássaros, como a noivinha-branca, na copa de uma gigantesca árvore, também solitária em meio à baixa estatura das culturas citadas. Continuando, passei pelo ribeirão do Roque e cheguei ao bairro rural Córrego Taquari, já pertencente ao município de Leme, composto por poucas casas e uma capelinha singela, a de Nossa Senhora de Aparecida.

Matriz de Nossa Senhora dos Aflitos, em Pirassununga

Sítio São Roque, na zona rural de Pirassununga

Bairro do Córrego Taquari, em Leme

A morte da agricultura familiar
Leme mostrou sua força no ramo da laranja no trecho final de minha rota de volta por estradas de chão. Laranjais extensos, organizados em fileiras que formavam corredores entre si a perder de vista. Mais uma vez a fome apertou e furtei alguns frutos, sem muito esforço, é verdade, pois aqui não há qualquer tipo de cerca. Eles estão ali, dependurados com seu amarelo vívido sobre as laterais da insidiosa estrada de areia. Havia fotografado uma casa devoluta, às margens do córrego Taquari, mas devo dizer que vi pelo menos mais duas ulteriormente, sumindo em meio a esses laranjais. A agricultura familiar está se curvando ao poderio das grandes citricultoras. Com um dinheiro sedutor, grupos empresariais compram ou arrendam terras de pequenos sitiantes, tirando-os de suas origens e obrigando-os a mudar para as cidades e viver uma vida cosmopolita e enfadonha. Em seguida cultivam a laranja e lucram cifras absurdas com a produção. É uma realidade cruel, absurda, mas é aquele dilema: ou jogamos com os dados do sistema ou somos dragados por ele. No Brasil infelizmente as coisas funcionam dessa maneira. É como escolher entre financiar uma casa em 25 anos ou pagar aluguel o resto da vida. Questões políticas à parte, reencontrei o asfalto e cheguei ao centro de Leme, onde novamente me enviesei pela rodovia Anhanguera. Mais alguns minutos me restavam e, como bom aproveitador do escasso tempo livre, localizei a estradinha de cascalho que leva ao topo do Morro do Cristo, ou Morro do José Leme, de onde se obtém uma visão nítida da pequena cidade de Leme e o movimento incessante de carros nos dois sentidos da rodovia Anhanguera. O Cristo pequeno, pichado e envolvido pela sujeira deixada pelos irresponsáveis visitantes e por torres de telefonia, assistiu comigo a noite cair e permaneceu imóvel enquanto eu partia, morro abaixo, em direção a Americana, a qual cheguei perto das 19h, após 280km rodados de uma viagem que não foi um brado de rebeldia, e sim um tímido sussurro de temporária libertação.

Cristo de Leme

Vista do Morro do José Leme, em Leme

Se um dia me veres hirto, saiba: estou contemplando algo ou descansando por ter contemplado algo enquanto eu me movimentava. Se um dia me veres em movimento, tenha certeza, estou vivendo, e esse seu olhar atento em minha direção mostra que estás parado, deixando de lado a sua vida, privando-se da contemplação de algo digno. Privando-se do mundo.


Mais fotos no seguinte slideshow ou aqui.


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E abaixo, um blues com influência da viola caipira do nosso interior paulista para o Parque Estadual de Vassununga e para as várzeas do rio Claro.

2 comentários:

  1. E aí, Carcará, como vai? Acho que tu não tens que pedir desculpas pela introspectividade do texto, ou se ele pareceu demasiado filosófico, pois é justamente isso que deixou o texto mais interessante de ser lido, pelo menos na minha opinião. Acho muito bacanas as tuas narrativas sobre os lugares que conheceste, e gosto delas exatamente porque têm muito mais do que apenas descrições de lugares, de paisagens, etc. Ler textos como os teus, ver essas fotos todas, perceber a tua vontade de "se jogar no mundo", tudo isso é muito inspirador, confesso. Adorei esse trecho: "Se um dia me veres hirto, saiba: estou contemplando algo ou descansando por ter contemplado algo enquanto eu me movimentava. Se um dia me veres em movimento, tenha certeza, estou vivendo, e esse seu olhar atento em minha direção mostra que estás parado, deixando de lado a sua vida, privando-se da contemplação de algo digno. Privando-se do mundo." Eu sei que não foi escrito para mim, é claro, mas é como se tivesse sido, e por isso eu gostei, simplesmente porque me identifiquei com essas frases. Enfim, acho que deu para perceber que gostei muito de ter vindo aqui outra vez, né? Ah, gostei do som também! Um abraço, e continue desbravando lugares por aí, que eu sei que isso não é somente o que alimenta este blog, como também a tua vida.

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    1. Muito obrigado pelo comentário e pela reaparição, meu caro Ulisses. Desde o princípio a ideia do blog foi a de inspirar os leitores a descobrir o próprio país. Conheço pessoas que tem uma ideia errônea do mesmo, pois sequer saíram do Estado de São Paulo ou de suas microrregiões. Só se pode obter uma dimensão exata de nossa cultura ao conhecermos os vários povos dentro de uma mesma nação, bem como todos os biomas que a permeiam. Estar em movimento, portanto, é dar uma chance maior aos olhos de ver o que não estão habituados, e consequentemente apreender realidades distintas, mas que mesmo assim não deixarão de influenciá-los a contribuir na formação do indivíduo. Abraço.

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